Lucena: o retrato de um homem apaixonado pela natureza

Maicon Schlosser
6 min readOct 2, 2023

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Edgar Lucena Schenkel, natural de Caxias do Sul, fixou residência em São Borja, onde desenvolveu um célebre trabalho como ambientalista. (Foto: Maicon Schlosser)

Bastaria passar em frente à sua casa, cujas calçadas são tomadas por flores vistosas e coloridas, que fazem o olhar passear por um pátio de belas árvores e muito verde, além de um portão de madeira no qual sempre há alguma frase de apoio a uma causa nobre, para saber que ali, reside alguém cuja história daria um livro ou talvez um filme.

De ação, quem sabe? Afinal, estamos falando de um Fuzileiro Naval — e aqui não há espaço para “ex” — pois, como ele mesmo diz, um Fuzileiro Naval nunca perde seu cargo. Ou então, um filme de drama, a história de um menino cuja fascinação pela natureza era tão grande, que com 16 anos, sem contar aos pais, decidiu que iria entrar para a Marinha e assim conhecer o Brasil, com suas selvas e florestas que para muitos são impenetráveis, mas que para ele, era quase como sua casa, o lugar em que mais se sentia confortável. Na adversidade, a vida pulsava. E foi desse modo, com um ímpeto pela aventura e o contato com o verde que tão bem adorna a bandeira brasileira, que seu Lucena construiu uma trajetória de respeito como Fuzileiro Naval, até firmar residência em São Borja.

Mas engana-se quem pensa que sua estadia aqui foi apenas para aproveitar a aposentadoria. Na Capital dos Presidentes, Lucena começou uma nova história, cujo legado pode ser visto por todos que passeiam pelo Cais do Porto: grande parte da arborização da região foi feita através de sua iniciativa e do grupo de escoteiros que criou na cidade, o Comando de Defesa a Natureza.

No auge, o Comando de Defesa da Natureza reunia dezenas de crianças e adolescentes. (Foto: Facebook/Reprodução)

Não seria exagero dizer que foi através deste grupo que seu Lucena transmitiu de maneira mais clara tudo que aprendeu durante os anos na infantaria da Marinha, onde acumulou histórias impressionantes e absurdas, como quando caiu de paraquedas, após oito saltos bem sucedidos, o que lhe rendeu uns bons seis meses no hospital, em recuperação.

Em São Borja, no entanto, sua atenção se voltou não para os céus, mas para a terra e seu descampado, inadmissível para um homem apaixonado pelas árvores e pela mata. Foi esse o motivo que lhe fez criar o Comando de Defesa da Natureza, um grupo de escoteiros no qual só entrava quem estava matriculado na escola e com boas notas. “No grupo, as crianças aprendiam a nadar, a remar, a andar em selva, fazer casas de passarinhos, cuidar de mudas e principalmente, ser um bom cidadão”, afirma Lucena.

A ênfase na última linha não é mera questão de floreio linguístico, mas sim algo confirmado por quem passou pelo grupo. É o caso de William Brum, que passou pelo Comando entre os anos de 1997 e 1998, quando tinha entre 9 e 10 anos, respectivamente, e que até hoje relembra com carinho este tempo: “Lembranças? As melhores possíveis”. Segundo ele, o que mais lhe marcou foi o trabalho em equipe e a maneira como Lucena transmitia a importância de se ter disciplina, honestidade e respeito à natureza. “Algo que me orgulho em minha vida foi ter feito parte desse grupo e ajudado a plantar todas aquelas árvores que estão na nossa costa do Cais do Porto”, enfatiza William.

O Grupo sempre marcava presença nos Desfiles de 7 de Setembro. (Foto: Facebook/Reprodução)

Como ele, existem vários. Todos que passaram pelo Comando de Defesa a Natureza, relatam o orgulho de ter feito parte dessa história. Solimar da Cunha, por exemplo, que deixou São Borja em 2005 e hoje reside em Itajaí, é um destes garotos cuja formação moral foi fortemente influenciada pelos anos em que teve contato com seu Lucena e toda sua sabedoria. Hoje, com 42 anos, ele ainda carrega consigo os ensinamentos aprendidos naquelas manhãs e tardes ensolaradas, entre a confecção e o plantio de mudas de árvores. Quando o assunto é esse, ele ainda tem um privilégio que em tempos de mudanças climáticas e desmatamento desenfreado, poucos possuem: diz ter plantado mais de 100 árvores em São Borja. “Quando falamos de mudas, então, fiz certamente umas mil, durante os quatro anos que participei do grupo”, assegura Solimar. Além disso, rememora como ponto máximo de sua participação no grupo, a participação no evento de inauguração das obras da Ponte Internacional da Integração, que contou com a participação do então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso. “Quem fez o cordão presidencial, foi nós, do Comando de Defesa a Natureza. A gente fez parte da história de São Borja de forma muito ativa. Isso é algo que eu conto para as minhas filhas”, relembra emocionado.

Já Alison Garcia, hoje com 33 anos, reforça que ainda tem muitas amizades formadas nesta época. Das atividades, recorda das limpezas da costa do Rio Uruguai, a preparação das mudas, a alimentação das tartarugas da praça da lagoa, os desfiles de Sete Setembro, entre tantas outras. “Ele foi uma pessoa fundamental para nossa formação na adolescência, por nos passar muitos aprendizados através de sua experiência de vida”, declara.

Mas não é apenas os jovens que participaram do grupo que admiram o trabalho feito por Lucena na cidade. O magistrado aposentado Paulo Afonso Caetano conheceu o trabalho de Lucena quando veio atuar como juiz de direito em São Borja, em 1990. Na época, Lucena exercia uma função em cargo de confiança junto ao município e já estava com projeto de arborização do Cais do Porto em andamento. “Hoje, as frondosas árvores do Cais, que na época não existiam, são testemunhas de seu trabalho, difícil, quase solitário, mas com enorme dedicação”, afirma.

Além dele, o ambientalista Darci Bergmann, um dos fundadores da ASPAN — Associação de Proteção ao Ambiente Natural, também exalta seu trabalho em São Borja, que foi além do plantio de árvores. “Ele tinha uma relação muito boa com os pescadores da região e fazia palestras sobre a importância de se respeitar a piracema, por exemplo”, explica. Entre 2003 e 2004, Darci foi Secretário de Meio Ambiente na cidade e Lucena foi convidado para ser um de seus diretores. No mesmo período, foi iniciado o projeto de construção do Cais do Porto como se conhece hoje. O trabalho de paisagismo da região teve ação ativa de Lucena e do seu grupo, além, é claro, de servidores da prefeitura. Hoje, infelizmente, parte destas árvores foram tombadas para fazer o acesso ao projeto da Orla do Rio Uruguai. “Aquilo aborreceu muito o Lucena”, afirma. No entanto, ele garante que o seu legado segue vivo na cidade, assim como o respeito e admiração que possui por este Fuzileiro Naval nascido na Serra Gaúcha, que escolheu São Borja como seu lar e espaço para a propagação de suas ideias.

Em 2023, o grupo retornou e ganhou a concessão do terreno onde funcionava sua antiga sede. (Foto: Facebook/reprodução)

Prova mais do que viva da afirmação acima, é o fato de que o Comando de Defesa da Natureza está ativo outra vez, sendo administrado atualmente por aqueles que um dia tiveram a curiosidade de participar de um grupo de escoteiros, que com o tempo, se mostrou muito mais do que apenas isso.

Os aprendizados obtidos com Lucena, agora são passados para outra geração. Elton Damaceno Vieira é o atual presidente e um dos responsáveis pelo retorno do Grupo, do qual fez parte na infância. Para ele é um modo de manter vivo os ideais de ambientalismo e civilidade que aprendeu com Lucena. Segundo ele, os ensinamentos seguem os mesmos princípios do grupo original. “Acho que estamos no caminho certo para conseguir novamente crescer em meio a sociedade e mostrar a força e o valor do grupo, reflorestando a nossa costa do Rio Uruguai e limpando ela”, declara Elton.

Para acompanhar mais informações, basta procurar pela página do grupo no Facebook: “Comando de Defesa a Natureza”.

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Maicon Schlosser

Estudante de jornalismo metido a escritor. Por aqui encontrarás resenhas, crônicas, reportagens, textos sobre música, espiritualidade, política e muito mais.