Para o brasileiro não falta vontade de trabalhar, falta trabalho

Maicon Schlosser
5 min readSep 27, 2019

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O número crescente de trabalhadores na informalidade mostra que o brasileiro quer trabalhar, porém a demanda é maior que o número de vagas disponíveis

Por Caroline Romero, Gabriel Maia e Maicon Mendes.

Foto: Gabriel Maia.

A são-borjense Evelin Pereira, de 19 anos, recebe duzentos reais semanais para vender cartelas de loterias. Trabalha das oito da manhã às seis da tarde, de segunda à sexta, e à noite tenta concluir o ensino médio. Sem qualquer vínculo empregatício, ela não contribui para a Previdência Social, não tem direito a férias ou décimo terceiro salário e pode ser demitida a qualquer momento sem nenhum tipo de garantia.

Esta tem sido a realidade de muitos brasileiros que não conseguem se encaixar no mercado de trabalho e são obrigados a aceitar subempregos ou a trabalhar por conta própria. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 25% dos trabalhadores brasileiros não possuem registro formal. Esse é um número recorde dentro da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio Contínua (PNAD) que tem início em 2012.

Segundo a Coordenadora do Sistema Nacional de Emprego (SINE) unidade São Borja, a procura por emprego na cidade é geral, de jovens a idosos de até 60 anos. Aproximadamente 70 pessoas por dia passam nos guichês de atendimento em busca de uma colocação no mercado de trabalho. Embora as vagas sejam variadas, não há empregos que supram à demanda, o que acaba transformando a informalidade na única opção. É o que também mostram os dados da Fundação de Economia e Estatística (FEE), que apontam que o número de vínculos empregatícios formais no município não atende nem a 34% da população em idade ativa.

O vice-prefeito Roque Feltrin ressalta que o desemprego não é uma questão exclusiva do município e sim um reflexo da crise vivida no país. Para ele, a distância entre São Borja e os grandes centros é um dos maiores empecilhos para a instalação de uma grande fábrica em terras são-borjenses. “Não há como atrair para a cidade uma indústria de transformação, uma indústria metal mecânica, por exemplo. O produtor terá de trazer a matéria prima até aqui e depois levar de volta a São Paulo. Então para ele é melhor se estabelecer lá”, explica Roque Feltrin. Ainda segundo o vice-prefeito, para atrair os empresários, a prefeitura diminuiu a burocracia para as empresas que buscam se alocar na cidade. Há também uma iniciativa para aperfeiçoar a mão de obra no município através de cursos em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).

Deixando a terra natal em busca de novas oportunidades

Para os que se cansam de trabalhar na informalidade, uma das opções é deixar o local onde cresceu e tentar a sorte em outro lugar. É o caso do embalador de produtos José Matos, que em 2011 deixou São Borja para ir morar em Bento Gonçalves. Na serra gaúcha, não demorou a encontrar trabalho. Desde que chegou à cidade, trabalha numa fábrica de móveis. Ele conta que antes de deixar o município, só havia trabalhado como pedreiro e nunca com carteira assinada. Somente com 28 anos foi saber o que era ter um trabalho formal, dentro das regras da CLT.

Para ele a estabilidade e a oportunidade de crescimento são os maiores diferenciais que um emprego de carteira assinada pode oferecer. “Sem isso não conseguiria ter financiado meu apartamento ou comprado meu carro”, diz José, que ainda tem planos de voltar a morar em São Borja no futuro e abrir seu próprio negócio.

O “Guri do Sacolé”, da informalidade ao empreendedorismo

Após procurar emprego por cinco meses sem sucesso, o jovem David Costa de Olivera, de 23 anos, resolveu vender sacolés gourmet. Em pouco tempo, conseguiu a admiração da população são-borjense pelo seu exemplo de dedicação e força de vontade. Ele costuma divulgar seu trabalho em grupos do Facebook, aonde segundo ele, sempre recebe apoio. “A última vez que publiquei recebi quase 500 curtidas. O meu recorde até hoje é de 1600 curtidas”, conta David, que ficou conhecido como o “O Guri do Sacolé”. O negócio deu tão certo que hoje ele já conta com uma funcionária, já que não dá conta da produção sozinho. O sucesso levou David a buscar a formalidade. Ele já conta com o CNPJ e através dele contribui para a Previdência Social. Hoje, ele recebe em média R$ 2 mil reais e diz que não trocaria seu emprego atual por um de carteira assinada.

Porém, há quem prefira assim

Jesus Marino, uruguaio natural de Monte Vidéu, trabalha vendendo artesanato há cerca de 20 anos. Há quatros anos reside em São Borja e conta que já passou por muitos países da América Latina, entre eles Argentina, Paraguai, Chile e Brasil. Apesar de já ter trabalhado com carteira assinada no Uruguai, no ramo da construção, prefere a liberdade de não estar preso a um emprego. Em suas próprias palavras: “Gosto assim, a vida pra mim é isso: viajar, conhecer culturas diferentes”.

“Uberização” do mercado de trabalho

Um dos maiores empregadores do Brasil no momento são os aplicativos como Uber e Ifood. Segundo dados do IBGE quase 4 milhões de trabalhadores informais utilizam dessas plataformas como fonte de renda. Vanderlei de Souza, de 42 anos, é um desses trabalhadores. Trabalha há três meses para o Garupa, um equivalente do Uber na cidade de São Borja. Dono de uma casa de Frango, para ele, o trabalho de motorista particular é uma forma de aumentar renda. A flexibilidade do emprego é o maior atrativo. Segundo ele, muitos de seus colegas entraram para o ramo por falta de emprego formal, mas hoje se sustentam e não pretendem abandonar o cargo.

Trabalho informal e Previdência Social

Uma das questões mais delicadas para os trabalhadores informais é o fato de que a maioria deles não contribuem para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou para a Previdência Social e portanto, ficam sem qualquer amparo governamental. Outra questão espinhosa é a nova reforma da Previdência, que pretende aumentar o tempo de contribuição para a aposentadoria. Porém, para quem não possui vínculo empregatício, como contribuir? Para isso o relator da reforma da Previdência no Senado, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) pretende criar uma alíquota de contribuição especial para os trabalhadores sem carteira assinada, semelhante à dos Microempreendedores Individuais (MEI).

Para o sociólogo Cesar Beras, os trabalhadores informais estão destinados a ficarem cada vez mais sem proteção do estado. É pouco viável que um trabalhador que recebe menos de um salário mínimo consiga contribuir para a Previdência. O ideal seria a criação de mais postos de trabalho formal, para que assim os trabalhadores consigam contribuir com o mínimo estipulado por lei. Ainda segundo o sociólogo, a criação de mais postos de trabalho passa pela vontade política dos governantes, o que segundo ele não existe no momento. Ele também defende que o cenário atual é o reflexo de duas mudanças ocorridas na segunda metade da década: a reforma trabalhista, que enfraqueceu os sindicatos e tirou direitos dos assalariados e a implantação de uma política de cunho ultraliberal. “O ultraliberalismo está hegemônico nesse momento. O que é esse ultraliberalismo? Para o mercado tudo e para os seres humanos nada”, concluiu Cesar Beras.

**Reportagem feita para a cadeira de Redação II.

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Maicon Schlosser

Estudante de jornalismo metido a escritor. Por aqui encontrarás resenhas, crônicas, reportagens, textos sobre música, espiritualidade, política e muito mais.